Custo tributário da vida em sociedade

Este é um tema que, para adentrarmos em seus aspectos, precisamos voltar no tempo para entender como nosso país passou a tratar as questões tributárias. Assim, faz-se necessário regressarmos ao Brasil colônia para relembrar como se deram os primeiros movimentos no sentido de criar e executar uma tributação sobre o trabalho livre no século XVIII.

Nestes tempos de Brasil monárquico, imigrantes europeus e povos originários eram interpretados como súditos do reino, diferentemente dos escravos africanos. Por serem súditos do rei, ao prestarem serviços e realizarem outras atividades consideradas como trabalho, e, portanto, receberem pagamentos e salários, estes indivíduos estavam sujeitos à tributação do reino. Naquela época já estavam estabelecidos conceitos modernos das relações de trabalho, como horas de trabalho e base de cálculo para determinar com quanto cada classe deveria contribuir.

Passando para os dias de hoje, ao falarmos especificamente de tributos, aqueles que incidem sobre a folha de pagamento são o INSS e o IRRF, basicamente. Vale lembrar que são estes tributos que vão ser reinvestidos e financiarão uma série de iniciativas, instituições e fundos ligados à seguridade social.

Pois bem, para que se possa discorrer sobre o custo tributário da vida em sociedade, primeiro é preciso trazer a conceituação do custo em si, de modo que se faz necessário trazer a diferenciação dos conceitos de custo econômico e custo contábil. Enquanto o primeiro traz consigo a noção do custo de oportunidade, de seu aspecto mais amplo para o processo de produção, ou seja, que quando escolhemos uma oportunidade enfrentamos um conflito de interesses em que a oportunidade escolhida é, automaticamente, comparada com todas as demais que não foram, o segundo está atrelado a informações sobre gastos, depreciação e outros instrumentos capazes de apresentar análises empíricas de atividades empresariais.

Quando se trata do custo tributário, o cerne desta questão não está na arrecadação em si, mas na quantidade de tributos necessários para custear as despesas estatais que, por sua vez, estão diretamente relacionadas à vida em sociedade e à estrutura de seu funcionamento ordenado.

Já no que concerne à conceituação de sociedade e sociedade-estado ideal seria discorrer sobre as diferentes correntes e interpretações trazidas pelos pensadores ao longo do tempo, dentre eles os mais expoentes Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau, sendo este último o nome mais lembrado quando se pensa como guia para o pensamento atual do que se entende como sociedade e estado. Seguindo uma linha de pensamento semelhante a de John Locke, Rousseau também acreditava no conceito de prosperidade e na necessidade do ser humano ser livre para exercer seus direitos plenamente.

Nessa linha, o suíço também passa a contestar as desigualdades sociais e como sua influência afeta a vida coletiva. Ainda que tivesse uma visão romântica sobre a posição do ser humano no mundo, ao redigir “O Contrato Social”, uma de suas principais obras, ele traz noções que foram aperfeiçoadas e estão presentes nas sociedades contemporâneas, como: noções de eleições e participação popular no processo; conceito de vontade geral e os primeiros contornos da concepção de democracia.

Já quando se fala em autonomia da sociedade, precisamos estabelecê-la como um organismos abstrato que vai além de um agrupamento de seres humanos que vivem sob determinadas regras. Tal organismo cria sua própria lógica e esta lógica, em parte, passa a determinar as regras de convívio desse grupo, em seu contexto específico. Ainda assim, o Estado tem uma participação neste organismo e, em um de seus lados, traduz-se no desenvolvimento e na prática de normativas e regras jurídicas.

Na modernidade temos a noção de que a sociedade passa a demandar o Estado e, portanto, são criadas instituições estatais capazes e direcionadas a atender estas demandas. Ainda assim, por mais que um Estado tente cumprir suas funções em atender todos seus cidadãos, ele não terá em sua função, pois determinados agentes serão privilegiados e outros negligenciados e essa é uma herança histórica de qualquer sociedade. Ademais, é difícil de compreender o que as sociedades de fato demandam, da mesma forma o que o Estado deve fornecer e isto está diretamente ligado à questão tributária, uma vez que estas demandas precisam ser financiadas.

Quando se pensa especificamente na questão do que é, de fato, o que a sociedade demanda e do que o Estado pode atender, dentro da realidade e dadas as proporções estruturais orçamentárias, apresentam-se duas interpretações diferentes sobre o tema.

A primeira é a ótica dos não-intervencionistas, segundo a qual a intervenção do Estado na sociedade é algo problemático para além da esfera financeira e estrutural uma vez que, nesta visão, a sociedade deve se autorregular. Essa capacidade de sustentação que a sociedade cria é que vai permitir com que o Estado consiga cumprir suas obrigações.

A segunda é a ótica intervencionista, por meio da qual o Estado interfere diretamente na questão econômica, da propriedade privada, entre outros institutos por meio de mecanismos como políticas monetárias, fiscais e cambiais. Em contrapartida ao conceito não-intervencionista, aqui temos um Estado que acredita que sua economia não é capaz de se autorregular, por isso utiliza-se deste tipo de controle também como forma de estimular o crescimento econômico.

O intervencionismo é uma prática natural na grande maioria das economias mundiais atuais e é ela quem determina, em certa medida, o tamanho do Estado. Este conceito de tamanho de Estado está diretamente ligado à carga tributária que o Estado impõe aos seus cidadãos.

Pensando em linhas gerais, para atender todas as necessidades de uma população é virtualmente impossível reduzir a tributação de um território e manter os serviços de que seu governo oferece para a população. Como a tendência ainda é o crescimento e o aumento da produtividade, dentro de um espectro capitalista, para que se possa continuar atendendo uma população em desenvolvimento a única saída é aumentar a carga tributária.

Há ainda outros diversos temas que interferem diretamente no tamanho do Estado e na quantidade de tributos que ele precisa exercer, como, por exemplo: questões ligadas à política, relações internacionais, segurança de informação entre outros que dizem respeito à vida coletiva nas sociedades contemporâneas e como eles também representam custo para o Estado.

Outro conceito que surge quando estudamos o tema deste artigo é sobre a função administrativa. A função administrativa ou executiva diz respeito aos atos que o Estado desenvolve para atender as necessidades da sociedade, o interesse da coletividade. Ao mesmo tempo lhe são impostas ima série de restrições e limitações advindas do ordenamento jurídico que compõe essa sociedade.

Tem-se como algumas das funções administrativas do Estado a organização de suas forças armadas, corpo diplomático, forças de segurança pública e demais carreiras de estado; emissão de moeda; atividades de regulação e polícia administrativa, serviços públicos, incluindo prestação de serviços de saúde pública, educação e infraestrutura em geral, como criação de rodovias, portos, aeroportos, correios, bancos, empresas de transporte, entre outras e fomento e intervenção como a concessão de benefícios fiscais. Para custear tais ações existem duas formas distintas de captação de receitas: as originárias, que provém de atividade empresarial do Estado, como lucros de suas empresas públicas; e receitas derivadas da tributação.

Trazendo a matéria para nossa realidade, destacam-se os arts. 1º e 3º da CF para pontuar as principais bases para a formação do Estado. Enquanto no art. 1º encontram-se os fundamentos traduzidos na soberania, na cidadania, na dignidade da pessoa humana, no valores sociais do trabalho e da libre iniciativa e no pluralismo político, no art. 3º temos a descrição dos objetivos fundamentais da República, sendo eles: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza, da marginalização e da redução das desigualdades sociais e regionais, além da promoção do bem comum sem preconceitos ou quaisquer outras formas de discriminação.

A tributação no Brasil

Alguns pontos e questões precisam ser destacados para ilustrar a complexidade da questão tributária no Brasil e porque se tem dificuldade em adequá-la. O primeiro deles diz respeito à concentração de renda e a desigualdade social estrutural que se construiu ao longo da evolução do país. Quase 70% dos trabalhadores brasileiros recebem até 2 salários mínimos e, pensando em tributação sobre a renda, há fatores que impedem uma progressividade justa na cobrança dessa tributação. O que temos no cenário não representa a coexistência entre capacidade contributiva e progressividade. Para além disso, em determinadas situações elas podem não apenas se confundir, mas, sim, caminhar em sentidos diferentes.

Outro ponto peculiar que influenciou na configuração da tributação no país é como se deu o processo de industrialização nacional. Tal processo se deu com direta intervenção estatal. Para tanto, a União aumenta o imposto sobre produtos industrializados, incentiva a vinda de investidores internacionais para desenvolver operações em território nacional, produzindo os mesmos insumos que eles não conseguiam importar, concedendo uma série de benefícios fiscais, entre eles a não tributação de lucros obtidos por essas empresas quando os remetem para seus países de origem.

O Brasil nunca conseguiu ser um polo exportador de produtos industrializados justamente pelo desequilíbrio entre benefícios fiscais internos e a baixa perfusão de capital externo. Outro problema que se desenvolveu ao longo desta relação que visa o equilíbrio é a dicotomia entre a distribuição da arrecadação dos impostos que incidem sobre a circulação de mercadorias e serviços (ICMS) e sobre a industrialização de produtos (IPI). Para conseguir viabilizar uma estrutura de desenvolvimento estes tributos foram divididos entre a União e os estados, tornando a tributação um instrumento de negociação.

Outro fator que influi diretamente na complexidade da tributação nacional está atrelado à formação da Federação em tempos modernos. No Brasil, temos uma espécie de Federação centrífuga, em que a União visa agregar poderes e funções, deslocando os mesmos das unidades federativas.

A falta de estímulos e incentivos fiscais para os estados da Federação restringe a sua capacidade de gerar oportunidades, fazendo com que possa haver um maior desenvolvimento da atividade industrial em determinadas unidades. Isso perpetua a concentração de renda em determinadas regiões e, na busca de uma forma de atingir um maior equilíbrio entre elas, é proposta a noção de federalismo solidário, em que as unidades que geram maior arrecadação e, portanto, renda, sejam obrigadas a fomentar aquelas que não conseguem atingir tais patamares. Apesar de não ser ruim, esta ideia acaba sendo deturpada por uma série de outras questões que vão criar uma guerra fiscal entre as unidades, em que determinados tributos são reduzidos ou excluídos em troca de um maior investimento, paralelamente aumentando o custo e a complexidade da tributação.

Chegamos ao fim deste breve estudo sobre o custo tributário da vida em sociedade, em que se buscou traze um contexto histórico e a evolução do tema até os dias atuais. Assunto importante, o aumento do custo da vida em sociedade precisa estar no cerne da discussão tributária e financeira em nosso país e como isso deve se desenvolver, sempre gerido pelo Direito Tributário, uma vez que o aumento dos encargos, taxas e contribuições afeta diretamente a capacidade econômica e financeira da população.

Por termos um Estado com características sociais, é fundamental que consigamos encontrar um equilíbrio, no sentido de melhorar e continuar provendo os serviços estatais sem onerar demasiadamente os contribuintes. A reforma tributária que finalmente vem sendo trazida para a vida real deve estar atenta a isso, remodelando também a atual legislação referente ao orçamento federal, bem como buscar-se sempre mecanismos que possam trazer eficiência na produtividade das empresas e indústrias, que garantam qualidade para os serviços educacionais que, consequentemente, gere uma renda mais equitativa, de modo a combater as desigualdades sociais e, assim, justificar o custo alto dos tributos para a população, que tem sempre a sensação de estar pagando os mesmos sem ter o retorno esperado.

É apenas com um Estado eficiente e com boa gestão do dinheiro público que o custo tributário da vida em sociedade deixará de ser problema para ser, sim, a solução para as questões que há séculos vêm trazendo indagações sejam, enfim, resolvidas e, para além disso, definitivamente estabelecidas como políticas públicas de Estado e não de governo.